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CARTA DE GUIA DE CASADOS
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que o senhor da casa procure que sua família ande acomodada, e lustrosa, segundo seu estado, desvelando-se, e buscando os efeitos para a conservar inteira em ambas estas qualidades. O cómodo do pão, porque se denota o mantimento ordinário, deve com grande providência ser provida, para que a casa seja abundante, e que nela com ordem, e sem miséria se reparta. Pouco importará que de fóra se tragam a casa os meios que a podem fazer abastecida, se nela se vive em proluxa abstinência. Muito pior levam os criados a abundância miserável, que a pobreza liberal.

Outros, com o escritório bem provido, pagam mal, vestem pior. Não me ponho da parte da fortuna, que muitas vezes faz que os amos que menos bem tratam seus servos, sejam os mais bem servidos ; advogo pela razão, que obriga, desengana, e manda a quem quere ter bons criados, que lhe queira ser bom senhor. Aquele, que de seus criados espera adivinhem seus pensamentos, adivinhe também suas necessidades.

Tenho por regra geral muito conveniente, que o prato da família seja mais copioso que curioso ; e o trato mais curioso que custoso. Comer a horas, vestir a tempo. Dizia um grande senhor, por outro de muito menos estado, mas de grande concêrto, que nunca desejára cousa como ser criado de fulano ; porque assim os tratava, e conservava inteiros, que não só não envelheciam jàmais nos vestidos, mas que nem na idade.

Pague bem ; isto é, a tempo. Aos criados o que lhes prometeu ; aos oficiais o que valer seu trabalho. Será bem servido de uns, e outros. O prémio deve seguir ao serviço, para que o serviço acuda à necessidade. Quem paga logo, paga com menos ; porque se o dar logo, é dar duas vezes, verdadeiramente se estima em muito