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O ESPIÃO ALLEMÃO
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dade é um systema potamographico de enxurros vermelhos, musicado pelos gemidos de dôr dos vencidos.

A guerra sempre!

Sempre guerras!

A guerra dos Sete Chefes, a guerra de Troia, as guerras punicas, as guerras de Roma — escravos, Numancia, mercenarios, Jugurtha, Mithridates, civil....

Depois, as guerras da invasão. As cruzadas, depois. E as guerras de religião. E as guerras dynasticas. A dos Cem Annos, a dos Trinta Annos, a guerra das Duas Rosas, a da suecessão da Hespanha. A guerra americana de Secessão. As napoleonicas, a russo-turca, a hispano-americana, a sino-japoneza, a franco-prussiana, a anglo-boer...

Depois, depois a Guerra Geral, a guerra do mundo contra a Allemanha. O rosario pára aqui. Mas como não pára o Ódio, e como a estupidez humana é irreductivel, o futuro verá tantas guerras quantas viu o passado.

Os grandes conductores de povos, Bismarck, Tisza, Clémenceau, Lloyd George: simples vontades de aço despidas de intelligencia, incapazes d'outra philosophia que não a das maxillas da hyena. Porque elles perpetúam a guerra, a humanidade os erige em semi-deuses. E com elles, poetas, pensadores, generaes, a industria, o commercio, a imprensa, a humanidade inteira — fóra as mães — zelam, como vestaes, para que se não extinga o fogo sagrado do Odio. Já para os deuses, de Jupiter a Jehovah, era a vingança o prazer suprema. Si sabe ella assim a paladares divinos, que admira saber tanto a paladares humanos, tão proximos ainda da pithecanthropia erecta donde sahiu o macaco glabro que se classificou as i proprio homo sapiens, ignorante de como o classificarão os cavallos?

Tambem nós por aqui temos tido nossas guerras. A grande, do Paraguay, onde chacinamos os selvagens do Chaco e as pequenas, internas — intestinaes. Temos a Guerra dos Mascates, onde torceu o pé um reinol e, consta, se arranhou um nativo. Temos a do Alecrim e da Mangerona, que não arranhou ninguem. Mas a guerra grande, a guerra-guerra, a guerra de encher o olho a Marte e berrar por poetas que a botem em Iliadas parnasianas com o retrato de Bellona no frontespicio, ah! temol-a em a nossa guerra contra a Allemanha. Essa nação formidavel, Assyria encouraçada de aço, machina monstruosa que apavorou o mundo, Golias de tremenda catadura temperado nas forjas de Krupp, viu saltar-lhe á frente David de iverapema em punho. E o caso foi que mais uma vez venceu David ao gigante!... Quem duvidar do milagre leia o «Lyrio» de Itaóca, semanario «literario, recreativo e commercial», numero extra, de oito paginas, commemorativo da assignatura do armisticio.

«Vencemos! O gigante jaz por terra, exangue. A esquadra dispersa, os exercitos rotos, a arrogancia abatida — a invencível Allemanha dobra os joelhos e entrega-nos a espada sangrenta! Honra aos gloriosos estadistas que nos impulsaram á lucta! Honra ao Exmo Dr w. B. Pereira Gomes, dignissimo Presidente da Republica, e honra sobretudo, ao inclito coronel José Pedro Teixeira Marcondes, honradissimo presidente do directorio pohitico de Itaóca e chefe honorario da heroica linha de tiro «Frei Gaspar da Madre de Deus!» Avê! Avê! Evohe!»