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CAVALLINHOS

«paiaáço». Vinha um «casaca de ferro» espevitar os lampeões. Era um berreiro: «Aráral Arára! O' caradura!» O homem, impassivel, ia graduando a luz dos belgas, um a um, sem pressa; depois pegava da corda e içava aquella coroa de lampeões accesos, aos goles, até meio mastro.

Rompia a musica. Bem maçante a musica. Dava somno... Afinal, começava a funcção, e o palhaço entrava como uma bola, rolando em cambalhotas. Tão engraçado!... Um relogio nos fundilhos do calção marcava meio dia. Na cabeça, inclinado para a orelha, o chaspelinho de funil, microscopico. Bastava-lhe ver o palhaço e desandava a expremer risos sem fim. A cara caiada, as enormes sobrancelhas vermelhas, os modos, a roupa, tudo tinha tanta graça...

Mas 'o melhor eram as micagens e as historias. «Venha cá, seu cara de burro. Quem de vinte tira dois quanto fica?» O casaca de ferro respondia: «Dezoito, naturavelmente». «O' burro. Fica zero» O povo estourava de riso, e Lauro com elle...

Depois vinham os trabalhos. Não gostava. O arame, que caceteação! O trapezio, maçante... Mas gostava dos cavallos porque reappareciam com elles o palhaço e o Tony. Oh! Como era bom quando havia Tony! A gente estava distrahida e de repente plaf! Que foi? O Tony que cahiu! E cada tombo...

No melhor da festa apparecia um idiota com uma taboleta: INTERVALLO. Era o desmancha prazeres da festa, e porisso tinha-lhe odio.

Todos saiam. Ficava só a mulherada. Lauro cochilava então e ás vezes dormia, recostado na taboa dura. Ao termo d'um quarto d'hora voltavam todos, e o papae trazia embrulho de doces, empadas, pasteis...

A pantomima! Era o melhor. «Salteadores da Calabria», a «Estatua de carne...»

E a «Maria Borralheira»? Vira-a duas vezes, e nunca havia de esquecer aquelle desfile de figurões historicos, Garibaldi de muletas, o general Deodoro, Napoleão...

Nisto chegou Lauro á praça onde zumbia o circo. Lá estava a classica barraca, illuminada por dentro, deixando vêr desenhada no panno a silhueta dos espectadores repimpados nos bancos de cima.

Em redor, taboleiros com lanternas dubias a allumiarem as cocadas queimadas, os pés de moleque, as talhadinhas; e mulatas gordas, ao pé, vendendo; e bahús com pasteis, cestas de amendoim torrado, balaios de pinhão cozido. E, grulhando em torno, os pés-rapados de bolso vazio que namoram as cocadas engulindo em secco, e admiram com respeito os peitudos que chegam á bilheteria e malham na taboa um punhado de nickeis, pedindo com entono: Uma geral!

O encanto de tudo aquillo, porém, estava morto. Tanto é certo que a belleza das coisas não reside nellas, sinão na gente...