Aqui o quadro perde a unidade. De cada lado scenazinhas pittorescas dividem a attenção.
—Ma-mãe, Zéquinha quei-quei-mou eu!
Um menino apparece berrando, a sacudir um dedo preto do chamusco d'uma bicha que o irmão «de proposito» lhe atacara em cima. Acodem mulheres, que rodeiam a criança com exclamações de piedade. Uma velhota lembra o kerozene como um porrete para queimaduras. Surge logo uma lamparina de petroleo ás mãos duma creadinha e concerta-se o dedo ao Jojóca, que, mal sarado, fungando e soluçando ainda, lá se volta ás bichas, seguido de longe pelos olhares resabiados do Zéquinha, ao qual a mãe, estalando os dedos, ameaçou com um «amanhã você me paga!» — sem consequencias, sabe-o elle. Não o apadrinhasse S. João...
Num grupo de taludotes conspira-se visivelmente. Tudo alli são meias-palavras e cochichos: busca-pés... no meio do povo... vae ser uma pandega!...
Noutro, de fedelhinhos, o Zéquinha se fazia centro de minuciosa attenção e sob o silencio só quebrado por um ou outro soluço do Jojóca, desmancha um pistolão á cata das bombas, distribuindo polvora aos amigos.
Nisto rebentam palmas no grupo dos moços.
— Bravos! Viva a sanfona!
Era o Quim da venda que chegava, espremendo um dobrado na sanfona fanhosa.
Rodeiam-no; «inspiram-no» com uma vez de canninha; e cada qual vae pedindo a valsa da sua predilecção. Quim sorri, ancho, perguntando: Mas afinal que é que meceis querem?
Teve maioria uma Não te esqueças de mim — «muito dançante», na opinião de Sinhazinha Lopes — a cujos primeiros compassos os pares se uniram de peito, circulando em torno da fogueira a sussurrarem ao ouvido as eternas amabilidades do galanteio.
Um magote ao lado commentava:
— Parzinho geitoso, a Miloca e o Lulú, não?
— E gostam-se desde meninos; ouvi dizer que elle já a pediu.
— Historias. Quem foi pedida, um dia destes, foi a Nenê. Mas parece que o sujeitinho levou táboa.
— Bem feito! Tenho birra áquelle coizinha: pensa que é gente... Não viu o que andou dizendo de mim? Como coisa que eu era capaz de dar confiança a um moleque da marca delle...
A sanfona gemia cadenciada, com o Quim deitado sobre ella, alheio ao mundo. Tocava bem, o ladrão, sobretudo quando lhe graduavam com sciencia as doses de pinga.
E aquelles sons rythmavam os movimentos dos pares em gyro valsado, enlanguecidos d'um mixto de amor e bem estar physico. Perto delles espocavam as bichas, chiavam fogos inutilmente; nem siquer lhes attrahia os olhares o puff balofo dos derradeiros pistolões.
Subito, chiou ao longe um busca-pé de limalha que, como um raio epileptico, enveredou pelo meio do povo, aos corcovos, criando o panico e a debandada.
Os dançarinos fugiram, espavoridos, com as damas penduradas ao peito, e a meninada prorompeu numa grita atroadora — meio medo, meio contentamento. Os velhos protestaram indignados, que era uma patifaria, que isto não se faz.