Página:Cidades Mortas (contos e impressões) - 1921.pdf/66

Wikisource, a biblioteca livre
56
«GENS ENNUYEUX»

— E é comprido o megatherio?

— Enorme. E tem parentela accyolina... Só depois de descriptos os glyptodontes, os megacers, os rhinoceros e as hyenas é que ha esperanças de entrarmos em terras do nosso avô pithecanthropo. Coragem, ó feto arborescente!

Dez e meia, e o corrimento paleontologico continuava copioso, sem symptomas de exhaustão. Systemas sobre systemas amontoavam-se, inducções, hypotheses sobre hypotheses; num mascar monotono de realejo electrico. Nossas nadegas a arder protestavam. Bocejos insolentes amiudavam exigencias: queriam sair, já e já, queriam passagem franca, boccas bem escaricaradas — e nés luctavamos por conter-lhes a mácriação.

E o chafariz scientifico a despejar...

— Ha esperanças, reanimei o Lino, entramos no homem.

— Bemdito sejas, ó rei da criação!

Era verdade. O sabio penetrára no homem, afinal. Mais cincoenta minutos de séca e pingava o ponto, convidando a assistencia a examinar de perto os fosseis amontoados sobre a mesa.

Estrepitaram palmas e, após um uff! de resurreição, encheu a sala o sussurro do «á vontade», das cadeiras recuadas, do frufrutar surdo dos capotes enfiados, dos espreguiçamentos risonhos.

— Que gostosura, um fim de séca!!


A assistencia afflue aos magotes para junto da mesa afim de examinar os bichos. Fomos na onda. Todos commentavam, queriam pegar, apalpar os fosseis, cheiral-os, proval-os.

O sociologo, com um estegosauro seguro pelo cangote, explicava ao pomologo «de como restauração de Cuvier se tinha alli um elo da yasta cadeia da evolução que Darwin descobrira».

Ao centro da mesa o conferencista desfazia-se em amabilidades de caixeiro, fragmentando sua sciencia e distribuindo-a em pilulas.

— Olhe, doutor, dizia ao philologo, a baculite de transição de que falei.

E para outro sujeito:

— Já viu, doutor, o magnifico exemplar de hippurite que nos veiu de Berlim?

Nisto ouvi ao meu lado um resfolego adiposo; voltei-me: era o burguaz das verrugas, com a toucinhosa consorte pelo braço a examinar uma lasca de pedra azulega que de mão em mão viera ter ás suas.

O bicharoco olhava para a pedra como quem olha para um talisman. Não resisti e atireillhe a esmo:

— E o gneiss.

O burguez encarou-me com o respeito devido a Quem Sabe, e, virando-se para a mulher, disse, gravemente;

— Este é o gneiss, Maricota.

D. Maricota tomou-o nos dedos, examinou-o sob todas as faces e em seguida o passou a uma amiga, gaguejando de geologica emoção:

— O gneiss, Nhanhã!...

·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·

Na rua esfumada pela garôa, um friozinho de tiritar. De golas erguidas, estugamos o passo, emquanto nossos labios extrahiam a moralidade da festa.

Sciencia e Arte nasceram para viver juntas, porque Arte é harmonia e Sciencia é verdade. Quando se divorciam, a verdade fica desharmonica e a harmonia falsa. Este senhor sabio, se trouxesse pela mão direita a Sciencia e pela