Página:Cidades Mortas (contos e impressões) - 1921.pdf/65

Wikisource, a biblioteca livre
«GENS ENNUYEUX»
55

que o gneiss p'ra lá, porque o gneiss, o gneiss, o gneiss....

Depois agarra os trilobitas, os amonitas, e móe, remóe, tremóe, pulverisa os pobres bichinhos, digressiona, gesticula, súa: o trilobita, o amonita.... porque o trilobita... não obstante o amonita... bita.... nita... e nita e bita e pá, pá, pá, borbota sciencia pura, hispida, hirsuta, inexoravel, num fluxo que berrava por tampões de perchloreto de ferro.

O tempo corre e da torneira aberta deflue caudaloso o jorro hermaphrodita do palavreado greco-latino. O espelho da sua careca tremeluz de inspiração. O seu dedo pontificial colleia riscos explicatorios. E a lympha scientifica a jorrar, a jorrar... durante quinze, trinta minutos, uma hora, hora e meia...

O esgoelado urro do mamutezinho já não é mais um urro e sim bocejo formidoloso. E não o unico. Pela sala innumeros se escancaram, incoerciveis. Algumas sobrecasacas cochilam. A doutora reprime numa careta um bocejo traiçoeiro; o burguez das verrugas resfolga com maior estrepito e mais bagas de suor na testa.

E na tribuna a sciencia a correr, a correr... E a coisada fossil a desfilar inexgotavel numa sarabanda sem fim: — porque o gneiss, o micaschisto... não obstante o bita, o nita... os conglomerados da Westphalia, as superposições devonianas, a sedimentação evolutiva, tatátátá, tá, tá.

Nesse ponto penetrou na sala um delicioso casal, pisando de leve os pássinhos de la preventivos dos pssts. Elle, alto e elegante; ella, mimosa e feminina, tom exotico de tetéa cara. Sentam-se. Elle abre os ouvidos. Ella espevita o lorgnon e corre os olhos vivos de malicia ironica pela assembléa inteira: pousa-os por fim na figura salpiconesca do orador. Lino os segue.

— Vê que graciosos! diz furando-me as costellas a cotoveladas — repara na ironia daquelles diamantes negros. Pousam na caréca do homem... alizam-na com bonhomia malandra... agora descem, examinam o nariz... riem-se, os marotos — é da verruga talvez... tentam arrancal-a... irritam-se... fogem da penca... examinam o feitio da sobrecasaca. Bom, deixaram em paz b homem... passeiam pela sala... dão com o chapéo da doutora... olha como se riem perdidamente, os moleques !...

Emquanto os olhos do meu amigo estudavam os maliciosos olhos da graciosa criatura, barafustavam-se os meus goela a dentro do mamute que o dedo do sabio apontava naquelle momento:

—... e appareceu então um animal de pellos duros e pretos, de prezas recurvadas, cujo foi encontrado na emboccadura do lena e se chamou mamute...

Lino arrancou-me de golpe ás goelas do monstro e ao cassange do sabio.

— Larga esse pato chôco e vê como ella boceja engraçado!...

De facto, a petulante boquinha da moça escondia no leque um bocejo saciado; saciado e contagioso, porque o sociologo logo em seguida escancarou o seu, o pomologo lá ao fundo abriu mais um, e o allemão da nossa direita reprimiu outro que promettia levar as lampas ao do mamute.

— Dez horas já! espantou-se o meu amigo consultando o relogio. Ha esperanças de fim?

— Qual! gemi. Ainda estamos em pleno megatherio...