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O ROMANCE DO CHOPIM
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d. Zenobia deu de gabar as qualidades artisticas do esposo. Eduardo era um grande talento literario capaz de obras deveras notaveis.

— Vocês — dizia ella ás outras professoras do collegio — não sabem que thesouro perderam. Eduardo sahiu-me uma verdadeira revelação. E' dessas creaturas privilegiadas que possuem o dom divino da arte, mas que passam ás vezes a vida sem se revelarem a si proprios. Aquelles seus modos, aquella timidez: genio puro, minhas amigas! Vocês. hão de vel-o um dia apparecer como um meteoro, alcançar a gloria, cahir como um bolide dentro da Academia. Está escrevendo um romance que é o suquinho! Lindo, lindo!...

Esse romance levou mezes a compor-se.

Todos os dias, no quarto de hora de folga que reunia as professoras na saleta de espera, d. Zenobia dava noticias da obra.

— Está ficando que dá gosto! O capitulo acabado esta manhã parece uma coisa do outro mundo!

E desfiou o enredo. Era o caso d'um moço loucamente apaixonado por uma donzella de cabellos loiros e olhos azues. A primeira parte do romance ia toda na pintura desse amor, lindo como não havia outro. Puro poema em prosa.

E d. Zenobia revirava os olhos, em extase. As outras professoras acabaram por interessar-se a fundo pelo romance de Eduardo Nupcias fataes, o qual virara folhetim vocalizado aos pedacinhos, dia a dia, pela pittoresca d. Zenobia.

A noticia correu pela cidade e isso acabou rehabilitando Eduardo da sua fama de Zé-faz-fôrmas, pax-vobis e mais pechosos appellidos amaricados de que é fertil o povo. Como a gente se engana! diziam; parecia uma lesma de pernas, ninguem dava nada por elle e no entanto é um grande romancista!...

As professoras dávam á tréla e o enredo das Nupcias fataes corria de bocca em bocca pela cidade; os lances de effeito eram gabados com citação das melhores tiradas. O «Livro», noticiando o anniversario do moço, consagrou-o — «festejado homem de letras.»

D. Zenobia sabia dosar a narrativa de modo a manter as professoras suspensas nos lances mais commoventes. Houve um trecho que as pôz pallidas de espanto. Era assim: Lucia fôra pedida pelo rival de Lauro, o galã infeliz. O pae de Lucia e toda a familia queriam o casamento, porque o monstro era riquissimo, tinha casa em Paris, hiate de recreio e um titulo de conde promettido pelo Papa. Já o pobre do Lauro, coitado, para cumulo de desgraça, perdera urna demanda de herança e estava mais pobre que Job. As cartas em que elle contava isso a Lucia eram de chorar!... Todos contra o misero e tudo a favor do monstro. O pae fez uma scena horrivel:

— Antes ver-te morta do que ligada a esse miseravel... poeta!

E a coitadinha, alanceada no mais dolorido do coração, doida doida de amor, chorava noite e dia encerrada numa cella escura.

— Desgraçado! intervem com um nó na garganta a mais compassiva das professoras. Porque não ha de sahir a sorte grande para um desditoso destes? Peça ao seu marido d. Zenobia, que lhe faça sahir a sorte, sim?

— Não pode. Isso prejudicaria o desfecho do romance, e, demais,