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O LUZEIRO AGRICOLA

— De que região?

— Não faço questão.

— Sel-o-ás do centesimo districto. Conheces as culturas ruraes?

— Já cultivei batatas grammaticaes.

— E de pecuaria entendes? Distingues um zebú d'um gallo Brahima? um matungo d'um murzello?

— Já cavalguei Pégaso em pêllo!

— Conheces a suinocultura? Sabes como se cria o canastrão?

— Sei tricalo com tutú de feijão.

— E's um genio, não ha que ver. Talvez faça de ti, um dia, presidente da Republica. Teu nome?

— Sizenando, Capistrano é sobrenome.

— Cá me fica. Vae, que estás ahi estás fomentando a agricultura como inspector do centesimo districto, com setecentos bagos por mez. Os poetas dão optimos inspectores agricolas e tu tens dedo para a coisa. Vae, levita do Ideal!...

Eis como Sizenando se achou um dia transfeito em luzeiro agricola, a illuminar, qual possante holophote electrico, uma grande zona do paiz.

II

Sizenando Capistrano, mal se pithou transformado de famelico ouvidor-mór (de estrellas em peça mestra do Ministerio da Agricultura... casou, luademelou tres mezes e, ao cabo, compareceu perante o ministro para saber em que rumos nortear sua actividade.

O ministro franziu a testa: é tão difficil arranjar occupação para os phosphoros ministeriaes... Pensou um bocado, e:

— Escreva relatorios, desembuchou.

— Sobre quê, Excia.?

— Sobre qualquer coisa. Relate, vá relatando. A funcção capital do nosso ministerio é produzir relatorios de arromba sobre o que ha e o que não ha. Relate.

— Mas, Excia., eu desejava ao menos uma suggestão emanada do alto criterio de V. Excia. sobre o thema do relatorio que a bem da lavoura V. Excia. com tanto tino me incumbe de escrever...

— Já lhe disse: sobre qualquer cousa que lhe dê na veneta. Relate, vá relatando e depois me appareça.

Sizenando sahiu encantado com os processos expeditos do dr. Grifado, com assento na pasta, e passou tres mezes, de papo ao ar, procurando uma these conveniente.

Como por essa época a lua de mel lhe enirasse em plena minguante, houve certo dia rusga brava ao jantar, e a consorte, mulherzinha de pêllo crespo no nariz, pespegou-lhe pela cara com um prato de salada de beldroega.

Tal o celebre estalo que abriu a inteligencia do Padre Antonio Vieira em menino, aquelle obuz culinario teve a extranha acção de iluminar os refolhos cerebraes do inspector.

— Eureka! berrou elle radiante, e com um grande riso de goso na cara emplastada d'herva e unto, ergueu-se da mesa ás pressas, rumo do escriptorio. A mulherzinha, entre colerica e pasmada, perguntava de si para si:

— Estará louco?

Sizenando deitou mãos á tarefa, e levou a cabo um estudo botanico-industrial de hervinha, com afan tal que, transcorridos dez mezes, dava a prélo o «Relatorio sobre o Papalvum brasiliensis, vulgo Beldroega, e sua applicação na culinaria» O anno seguinte gastou-o em revêr as provas do calhamaço,