do templo, e havendo já o salmista entoado os cânticos matutinos, o ostiário buscava cuidadoso o sacerdote, que parecia ter‑se esquecido da hora em que devia sacrificar a hóstia do cordeiro e abençoar o povo, foi encontrá‑lo adormecido junto à sua lâmpada ainda acesa e com o braço firmado sobre um pergaminho coberto de linhas desiguais. Antes de despertar Eurico, o ostiário correu com os olhos a parte da escritura que o braço do presbítero não encobria. Era um novo hino no gênero daqueles que Isidoro, o célebre bispo de Híspalis, introduzira nas solenidades da igreja goda. Então o ostiário entendeu o mistério da vida errante do pastor de Cartéia e as suas vigílias noturnas. Não tardou em espalhar‑se na povoação e nos lugares circunvizinhos que Eurico era o autor de alguns cànticos religiosos transcritos nos hinários de várias dioceses, e uma parte dos quais brevemente foi admitida na própria catedral de Híspalis. O caráter de poeta tornou‑o ainda mais respeitável. A poesia, dedicada quase exclusivamente entre os visigodos às solenidades da igreja, santificava a arte e aumentava a veneração pública para quem a exercitava. O nome do presbítero começou a soar por toda a Espanha, como o de um sucessor de Dracôncio, de Merobaude e de Orêncio.
Desde então ninguém mais lhe seguiu os passos. Assentado nos alcantis do Calpe, vagabundo pelas campinas vizinhas ou embrenhado pelas selvas sertanejas, deixaram‑no tranqüilo embalar‑se nos seus pensamentos. Na conta de inspirado por Deus, quase na de profeta, o tinham as multidões. Não gastava ele as horas que lhe sobejavam do exercício de seu laborioso ministério numa obra do Senhor? Não deviam esses hinos da soledade e da noite derramar‑se como um perfume ao pé dos altares? Não completava Eurico a sua missão sacerdotal, revestindo a oração das harmonias do céu, estudadas e colhidas por ele no silêncio e na meditação? Mancebo, o numeroso clero das paróquias vizinhas considerava‑o como o mais venerável entre os seus irmãos no sacerdócio, e os velhos procuravam na sua fronte, quase sempre carregada e triste, e nas suas breves mas eloqüentes palavras o segredo das inspirações e o ensino da sabedoria.
Mas, se os que o acatavam como um predestinado soubessem