"Onde é que se escondeu enfraquecida a antiga fortaleza?"
S. Eulógio, Memorial dos Sant., L. 3º.
Presbitério de Cartéia. À meia‑noite dos idos de dezembro da era de 748.
Era por uma destas noites vagarosas do inverno em que o brilho do céu sem lua é vivo e trêmulo; em que o gemer das selvas é profundo e longo; em que a soledade das praias e ribas fragosas do oceano é absoluta e tétrica.
Era a hora em que o homem está recolhido nas suas mesquinhas moradas; em que pelos cemitérios o orvalho se pendura do topo das cruzes e, sozinho, goteja das bordas das campas, em que só ele chora os mortos. As larvas da imaginação e o gear noturno afastam do campo‑santo a saudade da viúva e do órfão, a desesperação da amante o coração despedaçado do amigo. Para se consolarem, os infelizes dormiam tranqüilos nos seus leitos macios!... enquanto os vermes iam roendo esses cadáveres amarrados pelos grilhões da morte. Hipócritas dos afetos humanos, o sono enxugou‑lhes as lágrimas!
E depois, as lousas eram já tão frias! Nos seios do torrão úmido o sudário do cadáver tinha apodrecido com ele.
Haverá paz no túmulo? Deus sabe o destino de cada homem. Para o que aí repousa sei eu que há na terra o esquecimento!