XXV
A quebra d'um encanto por meio de beijo apparece n'outros contos. N'um conto ehsthnico (Ehsthnische Märchen. Aufgezeichnet von Friedrich Kreutzwald. Aus dem Ehstnischen übersetzt von F. Löwe; Halle, 1869. 8.º, n.º 19) o encanto d'uma donzella quebra-se quando ella em forma serpente beija tres vezes um mancebo. No conto serbo traduzido por Madame Mijatovies com o titulo Bird Girl (Serbian Folk-Lore, pag. 119 ss.) o filho d'um rei beija uma ave que se transforma em bellissima donzella. Na lenda allemã Die Schlangenjungfrau (Deutsche Sagen, herausgegeben von den Brüdern Grimm n.º 13) o encanto d'uma donzella que é meio serpente quebra-se quando um mancebo puro e casto a beijar tres vezes. No poema de Lanzelet citado por J. Grimm, Deutsche Mythologie, p. 921 (3.ª ed.) um beijo na bocca d'um dragão fal-o transformar n'uma bella mulher.
Ferdinan Wolf nos seus Studien zur Geschichte der spanischen und portugiesischen Nationalliteratur (8.º Berlin, 1859, pag. 513 n.º 1, 514 n.) exprimiu a opinião de que os contos populares que se encontram na Hespanha tenham passado de França e Italia para a nossa peninsula pela maior parte só depois do seculo XVI, pelo canal da litteratura e de que só mais tarde ainda é que elles chegassem á tradição popular; o Pentamerone de Basile, collecção de contos populares napolitanos redigidos com ornatos litterarios, cuja primeira edição conhecida é de 1637, teria na opinião de Wolf contribuido muito para essa divulgação dos contos na Hespanha. Ora é evidente para quem conhece a historia das litteraturas peninsulares que a opinião de Wolf é extensiva a Portugal.
Mas o que acaba de ser dito fornece já argumentos contra ella; um estudo comparado dos contos portuguezes que temos reunido e do que já conhecemos dos contos hespanhoes prova á evidencia que essa opinião não tem fundamento, salvo com relação a alguma caso excepcional. A tradição oral de povo a povo foi, a nosso vêr, o vehiculo mais importante que trouxe esses contos para a peninsula. Vejamos por exemplo como isto se póde