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Tanto teimou, que o pae casou com a mestra; ao fim de um anno teve ella uma menina, e tomou desde então grande birra contra a enteada, porque era mais bonita do que a filha. Quando o pae morreu é que os tormentos da madrasta passaram as marcas. A pobre da criança tinha uma vaquinha que era toda a sua estimação; quando ia para o monte, a madrasta dava-lhe uma bilha de agua e um pão, ameaçando-a com pancadas se ella não trouxesse outra vez tudo como tinha levado. A vaquinha com os pausinhos tirava o miolo do pão para a menina comer, e quando bebia agua tornava a encher-lhe a bilha com a sua baba. D’este feitio enganavam a ruindade da madrasta.

Vae um dia adoeceu a ruim mulher, e quiz que se matasse a vaquinha para lhe fazer caldos. A menina chorou, chorou antes de matar a sua querida vaquinha, e depois foi lavar as tripas ao ribeiro; vae senão quando, escapou-lhe uma tripinha da mão, e correu atraz d’ella para a apanhar. Tanto andou que foi dar a uma casa de fadas, que estava em grande desarranjo, e tinha lá uma cadellinha a ladrar, a ladrar.

A menina arranjou a casa muito bem, pôz a panella ao lume, e deu um pedaço de pão á cadellinha. Quando as fadas vieram, ella escondeu-se de traz da porta, e a cadellinha pôz-se a gritar:

Ão, ão, ão,

Por detraz da porta

Está quem me deu pão.

As fadas deram com a menina, e fadaram-na para que fosse a cara mais linda do mundo, e que quando fallasse deitasse pérolas pela bocca, e tambem lhe deram uma varinha de condão.

A madrasta assim que viu a menina com tantas prendas, perguntou-lhe a causa d’aquillo tudo, para vêr se