Saltar para o conteúdo

Página:Contos Tradicionaes do Povo Portuguez.pdf/186

Wikisource, a biblioteca livre

com elle. Ella não quiz, e pôz-se á janella a chorar, quando passou o rapaz:

— É aquelle, meu pae. É aquelle:

O rei chamou-o; veiu todo envergonhado, e ainda trazia as pontas das linguas do dragão. Não havia que duvidar; fez-se o casamento com a princeza, e foi o afilhado de Santo Antonio que fez feliz toda a sua familia.

(Airão.)



53. A FILHA DO DIABO

Era uma vez um rei; tratava mal a rainha porque não tinha filhos, e como esta andava com uma grande afflicção, n’uma hora de desespero, clamou:

— Quem me dera um filho, ainda que fosse por obra do diabo.

Passado tempo, a rainha teve uma menina muito linda, e o rei andava tão contente que não cabia em si. A criança medrava a olhos vistos, mesmo sem comer nem beber. Em pouco tempo ficou uma senhora, com um tino que maravilhava; sabia ler, escrever, bordar, cantar, tinha todas as prendas do mundo sem ter aprendido nada.

O rei todo orgulhoso da sua filha mandou deitar um pregão: Que se houvesse alguem que fizesse uma pergunta a sua filha e ella não fosse capaz de responder, se fosse homem havia de casar com ella, e se fosse mulher dar-lhe-hia uma tença. Veiu muita gente de toda a banda, mas a tudo ella dava troco e deixava de bocca aberta.

Um camponez, quiz campar de esperto, e tambem se lembrou de ir ao chamado do pregão; metteu-se a caminho, andou, andou, e depois de muito cançado viu uma casa na encosta de um monte e foi ali descançar das calmas. O camponez encontrou ali um moço, e perguntou-lhe — se elle vivia ali sósinho?