Página:Contos Tradicionaes do Povo Portuguez.pdf/224

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A mãe já estava cançada de tanta tolice, e já tinha medo de o mandar a algum recado. Um dia comprou tripas para guisar para o jantar e disse a Pedro de Malas-Artes:

— Vae ali á beira do rio lavar essas tripas, e não m'as tragas cá sem que estejam bem limpas.

— Mas eu como é que heide saber que as tripas estão limpas?

— Pergunta a alguem, que te diga.

Foi Pedro de Malas-Artes lavar as tripas; lavou, tornou a lavar, e como não passava ninguem, lavava que lavava. Até que lá ao longe viu vir um barco á vela e a remar, porque havia calmaria, e pôz-se a acenar e a chamar. A gente do barco pensando gue era algum passageiro abicou á praia, luctando contra a corrente, quando Pedro de Malas-Artes perguntou:

— Olhem lá; os senhores dizem-me se estas tripas já estão bem lavadas?

A gente do barco ficou desesperada, saltaram em terra, deram-lhe muita pancada e disseram por fim:

— O que tu deves dizer, é que sopre muito vento.

Foram-se embora. Pedro de Malas-Artes ia para casa, e aconteceu passar por um campo onde se andava ceifando trigo e armando as paveias, e começou a dizer:

— O que é preciso é que sopre muito vento; que sopre muito vento.

A gente que andava ceifando ficou desesperada, e vieram bater-lhe, dizendo:

— Oh estuporado, não sabes que o muito vento nos espalhava o trigo todo? O que é preciso é que não caia nenhum.

E deixaram-n'o ir embora. Foi-se Pedro e passou por um campo onde estavam uns homens armando uma rêde para apanhar passaros, e começou a dizer:

— O que é preciso é que não caia nenhum, que não caia nenhum.