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O DOUTOR CANEJA
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Arvorando-se em protector de artistas,
Creou reputação de ter, em arte,
Uma largueza singular de vistas.

A miudo apparecia em toda a parte
Onde se achassem jovens escriptores,
Desfraldando das letras o estandarte.

Era muito feliz nos seus amores;
Uma senhora joven, rica e bella,
Dispensou-lhe reconditos favores.

Diziam todos que a gentil donzella
Fôra rendida só pelo talento
Do sabio, que afinal casou com ella.

Transformaram a casa n’um momento
Em cenaculo artistico e pedante,
Onde a literatura achava alento.

Mas o nosso doutor, de então em deante,
Se tornou mudo, nada mais dizia;
Limitava-se a ouvir, e, se, um instante,

Os seus discretos labios entreabria,
O seu bello sorriso, esquivo e raro,
Um artigo de critica valia.

Isso de se mostrar da lingua avaro,
Para logo lhe deu credito fundo
De ser sisudo e de ter muito faro.