Página:Contos para a infancia.djvu/134

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mas pensava ella porventura nos seus cabellos annelados?

As luzes brilhavam nas janellas, e sentia-se na rua o cheiro dos manjares; era a vespera de dia de Anno Bom: eis no que ella pensava.

Deixou-se cair a um canto, entre dois muros. O frio enregelava-a cada vez mais, mas não se atrevia a voltar para casa: o pae bater-lhe-ia, porque não tinha vendido os seus phosphoros. Além d'isso em sua casa fazia tanto frio como na rua. Moravam debaixo de um telheiro que o vento atravessava, apezar de o terem calafetado com palha e farrapos. As suas mãosinhas já quasi que as não sentia. Ai! como um phosphorosinho acceso lhe faria bem! Se tirasse do masso apenas um, um unico, e accendendo-o aquecesse os dedos enregelados! Tirou um: _ritche_! como estoirou! como ardeu! Era uma chamma tepida e clara, como uma pequena lamparina. Que luz exquisita! Parecia-lhe estar sentada defronte de um enorme brazeiro de ferro, cujo lume magnifico aquecia tão suavemente, que era um regalo.

A pequerrucha ia já a estender os pésitos para os aquecer tambem, quando a chamma se apagou repentinamente: achou-se sentada, tendo na mão uma pontita de phosphoro consumido.

Accendeu segundo phosphoro, que ardeu, que brilhou, e o muro onde bateu a sua chamma tornou-se transparente como vidro. Olhando atravez d'esse muro, a pequerrucha viu uma sala com uma meza cobertta de uma toalha alvissima, deslumbrante de finas porcelanas, e sobre a qual uma gallinha assada com recheio de ameixas e de batatas