Página:Dentro da noite.djvu/230

Wikisource, a biblioteca livre

Tinha que ser. Talvez alguns tivessem ainda a pensão do jantar. Ele sim, ele é que longe da família, longe da sua terra, sem auxílios, descia a rampa da vida certo de encontrar o abismo, mas incapaz de soltar um grito -por falta de coragem, por falta de energia, porque tinha de ser... Um soluço sacudiu-lhe o peito. Para ocultar as lágrimas, puxou as abas do chapéu, virou o rosto. O trem continuava a galopar, sacolejando os corpos. Os campos inundados de luar passavam numa visão branca. E, de repente, Armando sentiu um bem-estar. Ia caminho da casa, tinha menos quatro anos. Era tarde, o pai ralharia, mas a mãezinha lá estava à espera, com o fogareiro de espírito, para aquentar o café.

— Boa noite, mãe.

— Meu filho, baixo. Olha teu pai. Por que veio assim tão tarde? E suado, com este frio da noite!... Não vás apanhar uma constipação.

Oh! a sua mãezinha. Então sentava-se, contava-lhe tudo, o sonho que tivera, o seu abandono, as dormidas ao relento, as infâmias, os engates no jogo, tudo por má cabeça...

— Má cabeça tua, meu filho. Mas tu tens tua mãe. Vai dormir, anda, vai descansar. Descansa que eu te arranjo tudo. Não há pedido de mãe que Deus não ouça.

Então ele sentia-se ainda mais pequeno, cheio de vontades. Queria uma roupa nova, um par de botas, chocolate. Gostava tanto de chocolate! Ele pedia, ela prometia chorando. E assim os dois, a