Página:Dentro da noite.djvu/253

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precocidade; até a adolescência tive-o como um crime horrível, castigo e prazer do pecado. Com a razão porque eu sou um sujeito muito razoável e muito refletido - vim a descobrir que era um desequilíbrio dos sentidos, a exaltação lírica, o desenvolvimento assustador de um dos sentidos, capaz de dominar os outros, submetê-los e virar aos poucos em fonte de todos os prazeres, em único foco das sensações agradáveis, em tirano da impalpável luxúria.

Já decerto conversaste com os artistas jovens, os que falam na realização da arte, no ideal que jamais se corporifica e é na nossa alma como o perpétuo sonho irrealizável. A minha moléstia, o meu desequilíbrio, o império de um único sentido no meu organismo e nesta sensibilidade caldeado numa ascendência de requintados, deu-me da vida íntima uma prévia noção incorpórea, deslocou-me para um mundo de fantasia exasperante, fez-me o lascivo da atmosfera, o gozador das essências esparsas, o detalhador do imponderável, o empolgado da miragem da vida.

Emborquei tranqüilamente o veneno que me tirava o apetite, e murmurei:

- Meu caro Oscar, tenho uma profunda simpatia por ti, em primeiro lugar porque és belo, em segundo porque tens espírito, em terceiro porque nem a beleza nem o espírito conseguiram reduzir-te à atroz banalidade de ser totalmente feliz. Daí o poder ouvir sem comentário todas as narrativas lindas com que me queres honrar.