Página:Dentro da noite.djvu/81

Wikisource, a biblioteca livre

e ao chegar a casa mediu-o de alto a baixo e teve esta frase, célebre há cinco anos: - O senhor é um indigno! Desconfia de mim!

É preciso pensar o alcance, a extensão moral de uma dessas frases num cérebro, obsedado pela idéia de não perder uma carne cada vez mais desejada. Maria dissera por cinismo profissional. Ele sentiu-se comovido a princípio. Afinal se enganava, procurava não o afrontar. Já era uma consideração. E depois enganá-lo-ia ela? Há tantos inocentes condenados mesmo com provas visíveis comprometedoras! E o tenor sem querer, foi a pedra angular do casamento.

- Oh! não...

- Quinze dias depois da cena Azevedo sentiu que nem de negócio e de borracha poderia entender mais. Maria, muda, grave, solene, vivia com o quarto fechado sem responder primeiro aos seus insultos, depois às suas ironias, depois aos desesperos e já agora aos rogos, porque Azevedo vivia como à espera da notícia de ter um mal irremediável, sem dormir, sem descansar, só pensando que de novo ela o deixaria. E dessa vez para sempre. Então caiu de joelhos, suplicou, pedindo perdão, jurando que não vira nada, que jamais acreditaria na calúnia... Há entre os sexos um ódio latente. Quando um se humilha a outro, esse outro toma crueldades de tirano, refocila em perversidades e em excessos. A chilena percebeu a excelência do momento, teve um assomo de dignidade, borrifada de lágrimas: Cale-se, Azevedo! O senhor é um