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O Heroe

Já não existe o soldado benemerito, o guerreiro valoroso cuja espada despedaçou um throno odiado, um throno que se erguia como um monturo de lixo, neste glorioso continente de Colombo.

Só resta a memória deste brasileiro illustre!

Sim, elle desapareceu deste mundo, mas sua imagem ficou desenhada na alma de todo o filho desta patria de Tiradentes.

Voou lá para o glorioso ceu, ouvindo as cantilenas harmoniosas dos anjinhos que o acompanhavam.

E agora que elle descança das fadigas da vida, o Brazil, o gigante liberto em 15 de Novembro, orna sua tumba com as palmas dos louros, colhidos por elle no santo dia, em que tremulou triumphante em toda a pátria o adorado estandarte tricolor.

JOAQUIM P. DO Montes

Rio Grande.



Uma Lagrima

sobre a tumba que guarda o idolatrado corpo do valente libertador deste meu adorado Brazil, deponho uma lagrima d'amargura.

PEDRO JACINTHO RODRIGUES

Rio Grande.



Manoel Deodoro da Fonseca

Na qualidade de republicano histórico e brazileiro amante ao engrandecimento do meu paiz; não devo eximir-me de prestar um tributo de homenagem ao eminente vulto que a posteridade chamará gigante.

Manoel Deodoro da Fonseca, o inclyto brazileiro que, tão bem soube defender a integridade da patria no território paragayo; não poderia deixar no seio de sua patria, com o braço de gigante que possuia; appressar o advento da Republica. Era o systema de governo pelo qual o Brazil almejava, para felicidade e engrandecimento do seu povo. Era o que o adiantamento do século determinava.

Se Benjamim Constant, cuja memoria para mim é sacratissima, foi o inspirador do movimento de 15 de Novembro de 1889, Manoel Deodoro da Fonseca, cujo nome aureolado de fulgor patriotico ha de resplandecer aos olhos dos nossos posteros no pantheon da historia, foi o braço armado pelo Destino dos povos para ravar a sepultura à ultima monarchia na America.

AUGUSTO DE SOUZA FREITAS

Rio Grande.



Deodoro

São passados trinta dias que desapareceu do seio da familia brasileira, um dos vultos mais salientes que honrava nossa pátria; seu corpo desapareceu, porem seu nome ficará gravado em todos os corações brasileiros; seu nome veio abrir mais uma pagina honrosa para a historia de nossa cara pátria.

O nome do marechal Manoel Deodoro da Fonseca lembra sempre os seus heroicos feitos, quer como militar distincto, que sempre soube honrar esta briosa classe, quer como fundador da grande Republica brazileira.

Paz a seus manes.

Rio Grande, Setembre 92,

LINDOLPHO PORTO


Deodoro da Fonseca

Dizer o que foi este grande heroe, creador do Brazil moderno, é tecer o panegyrico da grandiosa patria brazileira, que lhe deve o adiantamento moral, intellectual e material.

Ao contrario de muitos outros, elle, com o seu devotado patriotismo, gravou nas paginas da historia d'este povo glorioso o seu nome aureolado que passará venerado á posteridade.

J. BARETO


Deodoro da Fonseca

Descança em paz, impávido guerreiro !...
Soubeste sempre nobre e altaneiro
A pátria defender !...
Dorme cercado de virentes louros,
Que os tempos passarão—mas os vindouros
Teu nome hão de dizer !...

Morreste para a Pátria !—mas na historia
Ha de ficar gravado, p'ra memória,
O teu patriotismo ;
E teu nome será sempre lembrado
Qual symbolo da honra e de soldado
Modelo d'heroismo !...

Tercilia Nunes Lobo.


DISCURSO

Honra as columnas deste jornal, o inspirado discurso, proferido pelo intemerato republicano Dr. Julio Prates de Castilhos, na sessão funebre, realisada na Capipal Federal, em homenagem á morte do inolvidavel fundador da Republica Brazileira :

« Sr. Julio de Castilhos (movimento de attenção)— A casaca que vestia o marechal Deodoro era a demonstração peremptoria de que elle, antes de ser um militar, era um cidadão. O orador cumprimenta o seu collega pela expressão synthetica de que se serviu e que tão bem define o caracter do grande morto.

A camara está prestando a mais significativa homenagem á memoria de um homem que tudo merece dos republicanos, que tudo merece da Republica. Fallo em nome do passado — e preciso recorrer a velhas datas para encontrar-se o germen da idéa republicana no cerebro hoje tranquillo — não foi no dia histórico de 15 de Novembro que elle cogitou da Republica, muito antes já lhe havia passado pelo espirito o luminoso pensamento.

Começou a compenetrar-se da necessidade da Republica quando, commandando as armas no Rio Grande do Sul, tornou-se o principal responsavel na questão militar. O império era uma saturnal—o fanatismo esterelisando o espirito das gentes, a olygarchia opprimindo o povo, a classe armada perseguida, menosprezada por uma monarchia fluctuante, sem consistencia, que não conseguira enraizar-se no paiz.

O ódio contra o soldado vinha do motivo nefando—o militar não se prestava a ser sabujo, negara-se a perseguir em batidas crueis os furagidos negros; o militar não se prestava a ser o amparo de um throno oscilante ; desses motivos o odio tremendo que fez explosão por fim. Os ministros desrespeitavam os direitos do soldado, as mobilisações ostensivas tornaram-se factos de todos os dias — o soldado era um repudiado. Não lhe permittiam direitos—nem mesmo o de legitima defesa.

O coronel Cunha Mattos, simplesmente por ter vindo á imprensa rebater umas offensas atiradas ao seu nome foi, reprehendido pelo ministro—qualquer altitude digna assumida por um cidadão que vestisse farda era considerada crime de lesa-monarchia.

Para restauração da verdade, diz que o coronel Sennna Madureira, seu amigo intimo, seu companheiro, foi quem fez a questão militar no Rio Frande do Sul. Commandava uma força do Rio Pardo quando soube que fora accusado por um dos membros da camara por crime igual ao que commettera o coronel Cunha Mattos. Fallou ao orador dizendo não poder tolerar mais arbitrariedades, por estar resolvido a fazer declaração categorica pela imprensa, protestando contra as palavras do deputado que o arguiu.

O orador ponderou ao bravo coronel—que se tal fizesse viria achar-se na mesma condição em que então se achava o seu companheiro de armas. Elle, então, confiante e ousado, perguntou — se o partido republicano o apoiaria, tornando-se solidario.

O orador, em nome do partido republicano, disse que sim, que seria solidário com tudo quanto elle fizesse.

Eis por appareceu nas columnas da Federação o violento protesto contra a ordem do dia.

O marechal Deodoro que nessa occasião accumulava os poderes de commandante das armas e presidente do Rio Grande do Sul, tendo conhecimento do facto, declarou :

« Essa ordem dia é um crime. Não a transmitto aos officiaes e vou mandar cassal-a. » Convenceu-se então de que Deodoro era republicano.

Foi assim que nasceu a questão militar, questão historia, tão grande que se identificou com o 15 de Novembro; foi a sementeira da Republica.

Nessa occasião, quando a monarchia jogava a sua ultima cartada, procurando garantir a dynaslia e estancar a onda republicana, appareceu heroico, com a espada flammejante, o marechal Deodoro.

A propaganda havia feito muito; Benjamin Constant com a sua palavra, com a sua prudencia, com a sua sabedoria illuiuinaria a niocidade das escolas, mas a propaganda por si só não conquistaria a Republica se no momento decisivo não surgisse um homem como Deodoro. Quando Benjamin Constant, que tinha feito uma campanha longa e tenaz, convenceu-se da necessidade de levar a effeito o seu plano, foi consultar o marechal, de quem recebeu a palavra decisiva.

No dia 23 do corrente ouviu do Sr. Glicerio—que Benjamin Constant dissera antes do 15 de Novembro que a Republica estava perdida, porque Deodoro estava enfermo.

Em Junho de 1890 disse o proprio Benjamin Constant que «se Deodoro não tivesse saindo á rua, no seu cavallo de guerra, a Republica nào se teria feito. »

Foi elle o homem que no dia 15 de Novembro encarnou a aspiração do povo. Feito chefe do governo provisório pelos seus próprios companheiros, nada mais fez senão obedecer. Tém-se levantado contra o governo provisorio clamores atroantes — errou, não contesta, mas teve os seus pontos de acerto — o governo provisório synthetisou a revolução—fez o que pôde pela Republica. Nessa phase Deodoro desempenhou papel tão importante, tão digno, que não pode ser esquecido. Elle, o heróe, entregou-se aos companheiros. Como todo aquelle que sobe tem a sua decadencia, Deodoro, que tinha alma de soldado, que sentia e pensava como soldado, não ouvia os conselhos dos que o prezavam.

Deodoro começou a errar. Procurou-o, como republicano, e foi sincero nas suas phrases, mostrando á evidencia o gravissimo erro que commettera organizando o ministerio que organisara. Também comprehendeu o alcance da phrase do orador, que prometteu não organisar mais ministérios sem consultal-o... e ficou esse ministério que era um ponto de interrogação,

Comprehendo que o homem de quem dependera a proclamação da Republica não podia ser lançado à margem, e, de accórdo com a deputação do Rio Grande do Sul, deu-lhe seu voto para presidente da Republica e é sabido que a victoria dessa eleição dependeu muito da bancada rio-grandense.

Mais tarde, ludibriado, errou...

Mal cerrado o tumulo em que repousa Benjamin Constant, quando apenas se fecha o tumulo de Deodoro, acha inopportuno, anti-patriotico ventilar-se questões como essa que actualmente se agita: quem fundou a Republica? Não foi Deodoro, não foi Benjamin Constant, quem fundou a Republica :—foi o partido republicano—não foi um homem, foi o Brasil porque não se amoldou á fórma monarchica, foi a patria que pertence á America, a America que é republicana. Benjamin Constant,apostolo illustre, edificou o espirito da mocidade militar ; Deodoro disse :

Ha muita gente que me suppõe monarchista intransigente — não sou, sou da patria.

No dia em que fôr preciso o meu esforço para a victoria suprema, appellem para elle. Sou amigo do Sr. D. Pedro II porque me tem feito justiça e a meus irmãos militares. Se Benjamin Constant foi o homem que apostolisou, Deodoro foi o executor, foi a acção.

Mas, tornando ao homem.. Conselhos de máos amigos, de amigos sacrifleadores, levaram-no a commetter o acto ominoso, o acto inconstitucional; apezar de toda a sua gloria não podia mais continuar a ser o chefe do governo.

Não desce a discutir o facto, porque receia que ainda o accusem de partidario de golpe de Estado. Deodoro commetteu o grande erro de violar a constituição que elle havia jurado manter, mas quem não esquecerá esse erro diante da suprema gloria de quem proclamou a Republica. Mas surge o homem quando podendo resistir preferiu abandonar o governo pacificamente para não manchar a patria com uma gotta de sangue. Na patria e fóra della foi sempre o defensor dos seus direitos sagrados. Merece da camara, do paiz, dos republicanos toda veneração e pede como republicano que esqueçam paixões, que não se prendam a considerações subalternas e exhorta a que se lembrem do proclamador da Republica, daquelle que assegurou a 15 de Novembro a realização do nosso idéal supremo. Serenemos paixões diz perorando, aquietemos o nosso amor proprio, não olhemos para o passado triste. Colliguemo-nos para defender a Republica, obra gloriosa de quem hoje veneramos.

Patria, recebe no teu seio o despojo do teu grande filho ! Republica, não te esqueças jamais daquelle que te proclamou !


Typ. do Trocadero