23 de Abril.
Este dia tão lindo parece ultrajar o meu luto. A bem dizer, este luto já me não aflige tanto como nos primeiros dias; dir-se-ha que me fica bem, até. Estive observando-me ao espelho, há pouco, e notei que as amarguras me não desfeiam e que a expressão triste dos meus olhos fatigados proporciona á minha beleza imperfeita um vago e espiritual encanto. Desloquei para a testa um dos aneis do meu cabelo, tão maltratados durante todo este tempo, mas logo a seguir me envergonhei do meu prematuro gesto de coqueteria. Agora, porém, estou a pensar que não há motivo para que não vá prestando mais alguma atenção á minha tualéte. Na minha idade! E isto não quere dizer que a recordação saudosa do meu querido Carlos me deixe um só instante; nunca me deixará, estou mais do que convencida disso. É que era meu marido, o meu querido marido, tão novo e tão carinhoso!
Varrêram-se-me do espírito, logo que o vi doente, certos pequeninos ressentimentos a seu respeito. Quem me déra vê-lo vivo e são, continuando a causar-me os mesmos pequenos dissabores e motivando arrufos passageiros, que davam, inevitavelmente, origem ás mais ternas reconciliações!
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