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Página:Diana de Liz - Memorias duma mulher da epoca.pdf/215

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duma mulher da epoca


 

do daquele homem? Mal de amôr, uma doença incuravel ou simplesmente enfado de viver? Se fosse enfado de viver... Tambem ela o sentia, algumas vezes...

Foi-se-lhe tornando indispensável o ver todas as tardes aquele homem desconhecido que passava na rua. Por preço algum ela se denunciaria, abrindo a janela, fazendo com que ele a visse; a honestidade própria e os preconceitos do meio em que vivia tinham creado no seu espírito raizes vigorosas, que a sua fantasia não afectava naquele romance incolor e ignorado, nascido do vazio duma existencia inutil.

A hora a que passava o desconhecido melancólico era espiada com ânsia no relogio que mostrava, sobre a «psiché», uma forte matrona de bastão e com um mocho aos pés — Minerva aburguesada, simbólica, presidindo a um lar tambem simbólico e burguês. E eram então abandonados os pequenos lavores que mal preenchiam as longas horas de tédio, eram afastadas as sedas de bordar, atiradò fóra o dedal de prata e assestado por entre as cortinas um lorgnon impaciente. O desconhecido aparecia, caminhando no seu passo regular, com a mesma tristeza na face glabra, até se sumir na esquina. E ela ficava imóvel, pensativa, durante uns segundos; estendia de novo a mão fina para o eterno bordado, escolhia as sedas, procurava o de-

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