Havia momentos em que eu achava dentro em mim a imagem de duas Emílias, uma para o meu desprezo, outra para o meu amor. E minha alma, ora exaltava-se em seu orgulho para cuspir a baba da indignação às faces daquela, ora ajoelhava humilde e dolente para chorar seu infortúnio aos pés desta.
Passara uma parte da noite a reler os versos do Álvares; ainda os tenho de cor apesar dos esforços que faço para esquecê-los. Eles por aí correm num volume de poesias, recentemente publicado por esse moço. Tem por epígrafe — A ela.
Quando o sol espancou as trevas, não sei que serenidade derramou-se em meu seio. Era talvez a saciedade do sofrimento.
Emília veio meiga e serena, como a tinha deixado na véspera. O baile longe de fatigar, repousava sempre essa incompreensível criatura. Havia no sorriso dos lábios, no cetim das faces e na irradiação do olhar, o primor de virgindade que têm as flores recentemente desabrochadas. Quem visse essas límpidas auroras de sua beleza, julgaria que ela acabava de nascer moça, ao despontar do sol, como as rosas e as borboletas. Tal era o frescor e o viço da sua formosura.
Quando a percebi de longe, senti que o meu coração exauria-se; a indignação que o enchera até aquele momento fugiu dele. Temia que o primeiro olhar de Emília dissipasse a minha cólera, e que sua primeira palavra me curvasse a seus pés humilhado ainda por um amor já indigno.