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DOM PEDRO E DOM MIGUEL

Dom João VI foi sempre eximio na arte da gangorra politica, não só jogando com os seus ministros mas com as nações estrangeiras. Não hostilizou a França napoleonica emquanto o Imperador o não hostilizou e antes de ir para o Brazil, como depois de voltar, d'ella se serviu contra a Inglaterra. Esta fôra entretanto perdendo o prestigio que possuia em Portugal, justificando a acção que o historiador Temperley denomina de recuperação da influencia britannica, a qual assignalou o ministerio de Canning.

Castlereagh evitara mostrar-se abertamente favoravel á revolução portugueza de 1820, mas longe estava de favorecer uma reacção desenfreada. Canning proseguio com maior firmeza n'essa política, patrocinando o constitucionalismo monarchico, posto que não se prestando, tal qual seu predecessor, quer a combater revoluções internas, como o prescrevia o velho tratado de 1386, quer a garantir a integridade do dominio colonial portuguez, segundo o artigo secreto do tratado de 1661, celebrado com Carlos II. A continuidade da tradição britannica não exclue que os tempos mudam, que variam as circumstancias e que os tratados correlativamente se alteram no espirito e depois na lettra.

De facto a Inglaterra protegia Portugal, qualquer que fosse a natureza das suas instituições. É o que estamos vendo que acontece hoje. O ponto de vista de Canning era auxilial-o sempre que Portugal não commettesse aggressão e apenas a soffresse, mas o que elle sobretudo pretendia era agir por si e agir só, sem se associar á Santa Alliança nem tampouco desafial-a arrogantemente. Sua attitude independente não era necessariamente bellicosa: era antes conciliatoria na medida do possivel. Seu proposito cifrava-se em acabar com o areopago da Santa Alliança que se desenvolvera ao lado da Inglaterra e que, tolhendo-lhe os movimentos, ameaçava absorvel-a. Por isso assestou suas baterias contra Subserra, que encarnava em Lisboa a corrente franceza, e alcançou sua sahida do gabinete, cortando o vôo á França que por intermedio do seu embaixador Hyde de Neuville entendia predominar nos conselhos da Bemposta. Para tanto se não pejou Canning de reprehender desabridamente a Thornton, ministro britannico em Lisboa, a quem El-Rei fizera conde de Cacilhas.

Fôra Hyde de Neuville quem conseguira impedir Dom João VI de cumprir a promessa á nação, contida no decreto de 21 de Fevereiro de 1824, de reunião das velhas Côrtes. El-Rei o confessou a A' Court. «Deveis saber tão bem quanto