Página:Eneida Brazileira.djvu/61

Wikisource, a biblioteca livre

Vasos de ouro massiço, alfaias, mesas,
Vestes sacerdotaes: á roda em fila
Estam pavidas mães, tenros meninos.
Ousei bradar na treva, e mesto as ruas
805Enchi de vozes; por demais gemendo,
Chamei, chamei e rechamei Creusa.

Furente as casas lustro, e saio e tórno,
Quando a sombra da espôsa, imagem triste,
Maior que d’antes se me avulta aos olhos.
810Pasmo, hirta a coma, a voz se apega ás fauces.
Eil-a affavel me alenta e assim me acalma:
«Que vale a dôr sobeja, ó doce expôso?
Sem nume isto não he: levar Creusa
Te veda o fado, o regedor sublime
815Do Olympo o não consente. Em longo exilio
Tens de arar vasto pégo até á Hesperia,
Onde entre pingues populosos campos
O lydio manso Tibre inclina a vêa.
Com saudades não chores da consorte:
820Um reino alli te espera e uma princeza.
Nem eu, Dardanida e de Venus nora,
Irei servir as Téssalas altivas,
Nem dolopeias damas: cá me impede
A grande mãe Cybele. Adeus, Enéas;
825Todo na prenda nossa o amor emprega.»
Nisto, o fallar me corta, e ás minhas lagrimas
Se furta, e se esvaece em tenues auras.
Tres vezes fui lançar ao collo os braços;
Tres presa em balde se desfez a imagem,
830Igual ao vento leve ou somno alado.

Os socios, gasta a noite, emfim revisto;
Dos que acho novos a affluencia admiro:
Velhos e moços, donas e donzellas,
Vulgo infeliz, concorrem para o exilio
835Com quanto salvam, pressurosos querem