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Página:Eu (Augusto dos Anjos, 1912).djvu/114

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Tu não és minha mãe, velha nefasta!
Com o teu chicote frio de madrasta
Tu me açoitaste vinte e duas vezes
Por tua causa apodreci nas cruzes,
Em que pregas os filhos que produzes
Durante os desgraçados nove mezes!

Semeadora terrivel de defunctos,
Contra a aggressão dos teus contrastes juntos
A besta, que em mim dorme, acorda em berros;
Acorda, e após gritar a ultima injuria,
Chocalha os dentes com medonha furia
Como si fosse o attrito de dous ferros!

Pois bem! Chegou minha hora de vingança.
Tu mataste meu tempo de criança
E de segunda-feira até domingo,
Amarrado no horror de tua rede,
Déste-me fogo quando eu tinha sêde.
Deixa te estar, canalha, que eu me vingo!

Subito outra visão negra me espanta!
Estou em Roma. É Sexta-Feira Santa.
A treva invade o obscuro orbe terrestre.
No Vaticano, em grupos prosternados,
Com as longas fardas rubras, os soldados
Guardam o corpo do Divino Mestre.

Como as stalactites da caverna,
Cáe no silencio da Cidade Eterna
A agua da chuva em largos fios grossos...
De Jesus Christo resta unicamente
Um esqueleto; e a gente, vendo-o, a gente
Sente vontade de abraçar-lhe os ossos!