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Página:Eu (Augusto dos Anjos, 1912).djvu/115

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Não ha ninguem na estrada da Ripetta.
Dentro da Igreja de S. Pedro, quieta,
As luzes funeraes arquejam fracas...
O vento entoa canticos de morte.
Roma estremece! Além, num rumor forte,
Recomeça o barulho das matracas.

A desaggregação de minha Ideia
Augmenta. Como as chagas da morphéa,
O medo, o desalento e o desconforto
Paralysam-me os circulos motores.
Na Eternidade, os ventos gemedores
Estão dizendo que Jesus é morto!

Não! Jesus não morreu! Vive na serra
Da Borborema, no ar de minha terra,
Na molecula e no atomo... Resume
A espiritualidade da materia
E elle è que embala o corpo da miseria
E faz da cloaca uma urna de perfume.

Na agonia de tantos pezadelos
Uma dor bruta puxa-me os cabellos.
Desperto. É tão vazia a minha vida!
No pensamento desconnexo e falho
Trago as cartas confusas de um baralho
E um pedaço de cera derretida!

Dorme a casa. O ceu dorme. A arvore dorme.
Eu, somente eu, com a minha dor enorme
Os olhos ensanguento na vigilia!
E observo, emquanto o horror me corta a fala,
O aspecto sepulchral da austera sala
E a impassibilidade da mobilia.