Página:Eu (Augusto dos Anjos, 1912).djvu/128

Wikisource, a biblioteca livre

124


Augmentam-se-me então os grandes medos.
O hemispherio lunar se ergue e se abaixa
Num desenvolvimento de borracha,
Variando á acção mechanica dos dedos;

Vai-me crescendo a aberração do sonho.
Morde-me os nervos o desejo doudo
De dissolver-me, de enterrar-me todo
Naquelle semi-circulo medonho!

Mas tudo isto é illusão de minha parte!
Quem sabe se não é porque não saio
Desde que, 6ª-feira, 3 de Maio,
Eu escrevi os meus Gemidos de Arte?!

A lampada a estirar linguas vermelhas
Lambe o ar. No bruto horror que me arrebata,
Como um degenerado psychopatha
Eis-me a contar o numero das telhas!

— Uma, duas, tres, quatro. E aos tombos, tonta
Sinto a cabeça e a conta perco; e, em summa,
A conta recomeço, em ancias: — Uma.
Mas novamente eis-me a perder a conta!

Succede a uma tontura outra tontura.
— Estarei morto?! E a esta pergunta extranha
Responde a Vida — aquella grande aranha
Que anda tecendo a minha desventura! —

A luz do quarto diminuindo o brilho
Segue todas as phases de um eclypse.
Começo a ver coisas de Apocalypse
No triangulo escaleno do ladrilho!