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Soffrego, o monstro as victimas aguarda.
Negra paixão congénita, bastarda,
Do seu zooplasma ophidico resulta.
E explode, igual á luz que o ar accommette
Com a vehemencia mavórtica do ariete
E os arremessos de uma catapulta.

Mas muitas vezes, quando a noite avança,
Hirto, observa atravez a tenue trança
Dos filamentos fluidicos de um halo
A dextra descarnada de um duende,
Que, tacteando nas ténebras, se estende
Dentro da noite má, para agarral-o!

Cresce-lhe a intra-cephálica tortura,
E de su’alma na caverna escura,
Fazendo ultra-epilépticos esforços,
Acorda, com os candieiros apagados,
Numa choreographia de damnados,
A familia alarmada dos remorsos.

E’ o despertar de um povo subterraneo!
E’ a fauna cavernicola do craneo
— Macbeths da pathológica vigilia,
Mostrando, em rembrandtescas télas várias,
As incestuosidades sanguinarias
Que elle tem praticado na familia.

As allucinações tactis pullulam.
Sente que megatherios o estrangulam.
A aza negra das moscas o horrorisa;
E autopsiando a amarissima existencia
Encontra um cancro assiduo na consciencia
E tres manchas de sangue na camisa!