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Página:Eu (Augusto dos Anjos, 1912).djvu/37

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Os sanguinolentissimos chicotes
Da hemorrhagia; as nodoas mais espessas,
O achatamento ignóbil das cabeças,
Que ainda degráda os povos hottentótes;

O Amor e a Fome, a féra ultriz que o fojo
Entra, á espera que a mansa victima o entre,
— Tudo que géra no materno ventre
A causa physiologica do nojo;

As pálpebras inchadas na vigilia,
As aves moças que perderam a aza,
O fogão apagado de uma casa,
Onde morreu o chefe da familia;

O trem particular que um corpo arrasta
Sinistramente pela via-ferrea,
A crystallisação da massa térrea,
O tecido da roupa que se gasta

A agua arbitrária que hiúlcos caules grossos
Carrega e come; as negras fórmas feias
Dos arachnideos e das centopeias,
O fogo-fatuo que illumina os ossos;

As projecções flammivomas que offuscam,
Como uma pincelada rembrandtesca,
A sensação que uma coalhada fresca
Transmitte ás mãos nervosas dos que a buscam;

O antagonismo de Typhon e Osiris,
O homem grande opprimindo o homem pequeno,
A lua falsa de um paraseleno,
A mentira meteórica do arco-iris;