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Página:Eu (Augusto dos Anjos, 1912).djvu/40

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Nem terás no trabalho que tiveste
A misericordiosa toalha amiga,
Que affaga os homens doentes de bexiga
E enxuga, á noite, as pústulas da peste!

Quando chegar depois a hora tranquilla,
Tu serás arrastado, na carreira,
Como um cepo inconsciente de madeira
Na evolução orgánica da argilla!

Um dia comparado com um millenio
Seja, pois, o teu ultimo Evangelho.
É a evolução do novo para o velho
E do homogeneo para o heterogeneo!

Adeus! Fica-te ahi, com o abdomen largo
A apodrecer!   És poeira, e embalde vibras!
O corvo que comer as tuas fibras
Ha de achai nellas um sabor amargo!»

IV

Calou-se a voz. A noite era funesta.
E os queixos, a exhibir trismos damnados,
Eu puxava os cabellos desgrenhados
Como o rei Lear, no meio da floresta!

Maldizia, com apóstrophes vehementes,
No stentor de mil linguas insurrectas,
O convencionalismo das Pandectas
E os textos máus dos códigos recentes!