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II

Minha angustia feroz não tinha nome.
Ali, na urbe natal do Desconsôlo,
Eu tinha de comer o ultimo bolo
Que Deus fazia para a minha fome!

Convulso, o vento entoava um pseudo-psalmo.
Contrastando, entretanto, com o ar convulso
A noite funccionava como um pulso
Physiologicamente muito calmo.

Cahiam sobre os meus centros nervosos,
Como os pingos ardentes de cem vélas,
O uivo desenganado das cadellas
E o gemido dos homens bexigosos.

Pensava! E em que eu pensava, não perguntes!
Mas, em cima de um tumulo, um cachorro
Pedia para mim agua e soccorro
A’ commiseração dos transeuntes!

Bruto, de errante rio, alto e hórrido, o urro
Reboava. Além jazia aos pés da serra,
Creando as superstições de minha terra,
A queixada especifica de um burro!

Gordo adubo da agreste urtiga brava,
Benigna agua, magnanima e magnifica,
Em cuja álgida uncção, branda e beatifica
A Parahyba indigena se lava!