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Página:Eu (Augusto dos Anjos, 1912).djvu/69

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Manhã. E eis-me a absorver a luz de fóra,
Como o incola do pólo artico, ás vezes,
Absorve, após a noite de seis mezes,
Os raios calorificos da aurora.

Nunca mais as gotteiras cahiriam
Como propositaes settas malvadas,
No frio matador das madrugadas,
Por sobre o coração dos que soffriam!

Do meu cerebro á absconsa taboa rasa
Vinha a luz restituir o antigo credito,
Proporcionando-me o prazer inédito,
De quem possue um sol dentro de casa.

Era a volupia funebre que os ossos
Me inspiravam, trazendo-me ao sol claro,
Á apprehensão physiologica do faro
O odôr cadaveroso dos destroços!

IX

O inventario do que eu já tinha sido
Espantava. Restavam só de Augusto
A forma de um mammifero vetusto
E a cerebralidade de um vencido!

O genio procreador da especie eterna
Que me fizera, em vez de hyena ou lagarta,
Uma sobrevivencia de Siddhartha,
Dentro da phylogénese moderna;