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verencia, e saes... Na porta páras, mergulhas as pontas dos dedos na agua benta, e te persignas... Teu andar agora, é mais lento, mais pesado, sentes-te fatigada, acabrunhada, exhausta como se houvesses esquecido a alma, nas prégas brancas da camisola fôfa do Sagrado Coração... “Meu Deus, meu Deus, dizes descendo as escadas, porque me não tiraste a vida, alli, quando Vos fitava, Vos desejava, Vos amava... ?" As freiras que te observam, murmuram baixinho: “A nossa irmã soffre... exaggera...” E, á tarde, na hora do recreio, talvez divises em suas maneiras, compaixão, ironia, inveja; porque és formosa, jovem e exaltada, porque teu coração de virgem se quebra ante os cravos, a corôa de espinhos, a lança, o martyrio de Jesus... e ellas temem o milagre, os estigmas, a beatificação... E, á noite, querida, deitada em a tua cella — Ladice, o mundo, o passado te perturbarão, como um abysmo de oiro, a te chamar: Vem, vem! À principio, cedes, te rendes a essa vertigem que te encobre; mas, logo horrorizada a repelles... Agarras uma medalha e a apertas contra o seio, balbuciando ave-marias interminaveis, com soffreguidão de demente, afim de sanear teu espirito... Na manhã seguinte, so raiar da aurora, prostrada ante a Cruz, repetes o “Miserere Dei” com o desespero, a contricção de peecadora renittente...

Ladice fallava como uma vidente: a aba larga do chapéo sombreava-lhe os olhos impregnados de violencias insondaveis. Os labios rubros, quasi se não mexiam, pareciam immoveis como aquelles estratos lá no cêo quando sustentam o sol que desappa-