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sica, á conversa, elle só via Ladice, examinava-lhe os traços, os movimentos, a posição de cabeça um tanto inclinada, a renda que ora se enrugava, ora se esticava sobre o collo maravilhoso; a boca pequena, fechada; á guisa de dous crescentes abraçados e ardentes, e pensava: Oh! mulher de plasmas feitos de frutos rubros, de margaridas de maio entrançadas de luares, de caules verdes, impacientes, repletos de amôres da meia-noite...— Oh! minha Senhora da Paixão, aos vossos pês, accendo todos os lumes de meu coração...

Ladice inteira na musica, não lhe via a attenção exaggerada, a pertinacia; mas, de repente, ao virar uma pagina, seus olhares encontraram-se rapidos e entrasam noz de Ladice como confissões prohibidas, venenosas, motivos ignotos, maleficos... Embaraçada, a Senhora de Assis desceu as palpebras brancas de tuberosa; mas sentia, sob essa cegueira voluntaria, a força d´esses olhares concentrados, devassar-lhe os segredos, o bem, o mal que a governavam... E arrepiada, nervosa, gelida, precipitava os accordes, não attendia aos signaes de repetição, louca por deixar o piano, por esquivar-se, desapparecer..

— Suas mãos estão frias como sua alma... — observou-lhe Jorge segurando-as.

—... que tem a sensibilidade dos extrêmos? completou ella risonha...

— Oh, o auge, sempre o auge, sempre os cimos — repetiu Jorge.

— Senhora de Assis ê uma alma perfeita... o apogêo em tudo — exclamou Armando, approximando-se, respondendo á phrase que acabava de ouvir.

A. B. — 9