— Façamos um pouco de literatura. O illustre chronista dar-nos-á o prazer de recitar algumas poesias...— disse Jorge, ainda mordido pelo ciume, esforçando-se por afastal-o da presença de Ladice.
— Si lhe não fôr incommodo...— ajuntou esta.
— Pelo contrario, ser-me-á grande honra, tel-a como ouvinte... — accrescentou elle.
Ladice conservou-se de perfil, levemente encostada em a mesa, a enbeça pendida um pouco para a frente no geito de quem escuta; a cauda do vestido toda torcida, fazia dobras enviezadas, repuxadas e amontoando-se de um lado só, deixava transparecer-lhe as formas cinzeladas.
Armando ficou algum tempo pensativo, em seguida começou a declamar um trecho da Ulysséa de Pereira de Castro; sua voz era monotona, ás vezes tarda como se alguma emoção o atormentasse.
“... e n´esse longo, ondado
“Cabello guarda amôr em mór thesouro
“Neve, rubi, safira, rosa e ouro.”
Ladice recebia esses versos como uma declaração, um cântico, endereçados á sua belleza; ella não ousava olhal-o, mas havia a sensação de que era fitada com insistencia, quiçá com significação: dir-se-ia que fluidos estranhos os ligavam, corriam d´elle para ella, como essas espadanas de luz que jorram das mãos das Virgens.
“De teus raros extremos de belleza
“Os mesmos elementos se namoram.”