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Ladice notou-lhe ligeiro tremor em a voz, involuntariamente ergueu a cabeça e viu dous olhos famintos de embates apaixonados, voltados para seus cabellos...

Esta noite antes de ir para a cama a Senhora de Assis demorou-se longas horas á janella. O ar limpido, sereno, tinha seintillações de crystal; o céo parecia o reflexo impedrado de um mar immenso, profundamente azul... Marte tremulava como a ponta de um cigarro acceso...

“Meu Deus, aquelle eypreste esguio que fére tão duramente o céo é a interjeição dorida, eterna das minhas visceras para meu Poeta bem amado...” — pensava Ladice.

Ella se embriagava em as sombras fantasticas do arvoredo na terra, em o bulicio das folhas, dos ramos que palpitavam como arterias, em a massa escura que a rodeava, que lhe entrava pelos poros, pelos cabellos, pelas narinas até lhe levar ao senso, os mysterios estuantes da netureza amorosa e sensivel: ella adivinhava os segredos que se passavam nos botões retorcidos, nos pollens atrás de pollens incontidos, nas raizes avidas de abysmos, de subterraneos, de firmezas... Ella ouvia o barulho de crescimento, de liberdade dos rebentos, das gavinhas, dos grêlos, proseguindo na sua faina de expansão... — Ella percebia o ruido frouxo, rouco, abafado dos estyletes que produziam... E o extertor, os soluços das paniculas, das campanulas, dos corymbos caindo mutilados, desfeitos, mortos... E o ai das folhas, dos galhos que se quebravam... E o gemido dos troncos, das frondes que envelheciam...