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em desordens rythmadas. Theophilo sentia a sua energia juvenil voltar, enfunar-lhe o sangue, renovar-lhe as pulsações; ella parecia dispôr do poder de Doumouzi, que fazia reverdecer a terra, remoçar as vergonteas, engendrar os rebentos, efflorecer as ramas... Seu perfil fino, inquietante se lhe agarrava ao coração com a teimosia, a crueldade de um remorso, de uma dôr infinda. A anciedade, o deleite, tangiam-lhe em os nervos, subiam-lhe dos membros, á guisa de evaporações indecisas, lacrimejantes de lagôas immobiles...

A Senhora de Assis, essa tarde, não saiu. Preferiu ficar em casa sózinha. Queria reviver o seu colloquio com Theophilo; queria desfolhar detidamente em o silencio e a solidão essa margarida magnifica que se lhe brotára em as sensações... Ella trazia em o intimo uma vehemencia branda, refreada, forte como uma essencia, nimia, actuante, que lhe desfibrava de manso o bom proposito, a razão, a virtude. Era como se lhe houvessem passado em a alma, uma esponja embebida em espicanardo: paz rubra tumultuosa, estonteante, cingia-a, envolvia-a, enrodilhava-a, entorpecia-a, como se fôra um cendal tecido de vidas multiplas. Seus hombros caidos, a nudez de seus braços, as linhas descidas e firmes de seu corpo primaveril, as dobras preguiçosas de seu vestido de musselina, saturados de amor, recendiam amôr...

Mas, ás vezes, ella cortava essa enchente impetuosa de prazer e de goso, com um gesto rapido, com uma palavra dita alto, como sendo o echo de um amargor, o traço de um queixume que lhe terebrava a con-