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beldes, que, com certeza, a deveriam levar por descaminhos perigosos. Anciava por transmittir-lhe, qual recebera de seus antepassados, intactos como um immovel, uma herança, um objecto, as regras estipuladas por uma moral secular; o seu zelo exaggerado então descia aos minimos pormenores, tornando a vida de Ladice quasi intoleravel. Sem o saber, abafava-lhe a exuberancia propria da idade, destruia-lhe o encanto maximo de toda creatura humana — a individualidade, essa victoria soberba do sêr subjectivo.

Ella seguia, de resto, os habitos de seu tempo, do nosso meio, da educação que tivera, e, como toda pessoa carregada em annos possuia a grande habilidade de transformar entes vivos em machinismos, em orgãos conduzidos por imperativos abstractos, em paridades submissas, amorphas...

A sua obsessão, agora, que Ladice surgira da adolescencia, era casal-a com um homem digno, de posição. A respeito do amor, a sra. de Santo Hilario conservava-se em um mutismo desolador: “com a convivencia a dois, elle virá depois” — ajuntava ella ás suas reflexões.

Ladice encarava o casamento como uma redempção, uma alforria; o despedaçamento festivo de seus entraves, o fim delicioso, a paz luminosa de suas angustias; tinha, ao menos, a certeza de agir livremente nesse assumpto, que pertencia á sua felicidade exclusiva.

“O amor, pensava ella, em seu conceito de moça, é a incarnação de Deus em nós, collocando-nos em harmonia com o universo inteiro. No murmurio das