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Ladice caminhava para a felicidade com o ardor, a violencia, o enthusiasmo, a bravura das fanfarras.

Era meio dia: o céo abarcava a terra, febril, selvagem, cubiçoso: o sol despira a majestade, a dignidade de astro rei, e entretinha amores brejeiros, qual amante voluvel e instavel; o arvoredo, enfraquceido, delirava; o ar, langoroso, cálido, passava como um suspiro de volupia. Golphadas dessas brisas impregnadas de rosas, de musicas, de sementes fecundas, esvoaçavam ao redor de Ladice como se ella fôra a effigie de Flora, a dadivosa; ella não as sentia, não as percebia: a sua attenção, as correntes de seus centros nervosos, o seu coração, a sua ideia, estavam ligados, assenhoreados, presos, alimentados por um pensamento unico: Theophilo, o seu Poeta. Andando de um lado para o outro na sala, neutralizada, indifferente ao exterior, a Sra. de Assis penetrava até á essencia do extase e via a grandeza de seu amor... Espiava o mysterio e recuava deslumbrada, amedrontada.

— Cartas!... grita o correio do lado de fóra.

Ladice com um gesto de impaciencia e decisão se encaminhou para a janella e recebeu de suas mãos grosseiras e callosas um enveloppe largo, quadrado.

“Algum convite”, disse ella virando-o entre a brancura de seus dedos, olhando a letra elegante e sobria; mas de repente, mudando de feição, como que fulminada por um présentimento subito, rasgou-o vivamente e leu com soffreguidão o laconismo eloquente dessas palavras:

— “Estou doente, de cama, não posso levar-lhe o livro. — Theophilo.”