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cobria; atravessava-lhe o dorso um sopro abrasado, ella parecia dirigir-se para o amante que a aguardava... Feria o ar com denodo, com rapidez, célere...

— Foi assim que vim para elle. — E em dizendo isso levantou-se e saiu.

Algumas horas após, entravam João e Theophilo.

O Senhor Dalmada havia muito que não visitava o amigo. Sua natureza não pudera até então perdoar-lhe o amor que inspirara insciente, á Senhora de Ladice. Em seu intimo embatiam-se, desconfianças, duvidas, conjecturas audazes, que lhe roiam de manso o senso... Tivera de subjugal-as, de vencel-as, de analysal-as demoradamente com o poder da reflexão, do bom senso, da razão... Oh, quanto soffrera ao ouvir de ambos, palavras, ditos, respostas, de significações duplas, indecisas, nubladas, varias; em surprehender-lhes olhares hesitantes, fugitivos, vagos, innocentes, fervidas... Cria vêr o amôr, a falsidade, a astucia, a hypocrisia em os gestos, em os movimentos, em o silencio, em a languidez sublime de Ladice... Esperava, anciava, como um demente, pelo desfecho d´essa tragedia imaginaria, infecunda... Mas, dias, semanas, mezes, gastavam-se, e elle nada percebia, nada descobria de anormal, de extraordinario, a despeito de ardis, de observações, cspertas, assiduas, accuradas; Theophilo já não vinha mais ás recepções de sua prima; e ella lhe não proferia o nome; continuava sempre com o mesmo genio mobil; sentia todas as cousas profundamente, qual penitente mordida de remorsos, de desejos violentos, de regeneração, de manifestações divinas... — Tudo passa, exclamava elle,