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Cheira forte, mais forte ainda, envenena-lhe o cerebro, fal-o sonhar, desejar a sua Ladice delirante...” Em seguida lentamente deixando em cada cousa um carinho, uma saudade pungente, um beijo, encaminhou-se para a sala de leitura, afim de lhe escrever, de lhe deixar um testemunho eloquente, fervoroso de sua passagem. A mesa estava empilhada de livros.

“Thêo.

“Vim ver-te e não encontrei senão sombras, ves-
“tigios, traços de ti de nossas pulsações, de nossos
“sentimentos. Descobri em cada objecto o teu perfil,
“e sobre elle deixei cair a minha exaltação, a fluidez
“amorosa de meu ser.

“Desejo-te meu amigo, mas com esse desejo in-
“gente, fero, immenso, natural, ingenito, oriundo da
“nossa natureza, da nossa condição, igual ao da noite
“para o dia, ao da liberdade para o espaço, ao do
“tempo para o tempo, ao do nada para a creação...”

E assignou — Ladice, em letras bem grandes. Com um alfinete ella pregou essa pagina sobre as outras e collocou por cima, á guisa de peso, uma estatueta de marmore, que reconhecera ser Sappho abraçando uma lyra. Por instantes ella se quedou a admirar essa figura encantadora de arte, obra de esculptor moderno e impressionista, que sem desprezar as linhas classicas e a belleza das formas, lhe perpetuara em a rigidez da pedra, uma impressão transitoria, accidental, passageira, insufflara-lhe vida, ideia. Os cabellos engrinaldados de flores, estavam soltos, enfunados, assim como a tunica decotada que a