Página:Exaltação (1916).pdf/254

Wikisource, a biblioteca livre
— 246 —

o amôr platonico deveria ser sufficiente... Serias a virtude redemptora, a virtude que se não dá...

— Convinha-lhe dizer justamente o contrario do que pensava.

Ladice de pé, de mãos unidas, repassada de doçura, lyrica, ardente, os cabellos em desalinho:

— Amei durante annos em imaginação, emquanto distancias enormes nos separavam; mas o fado foi bom para commigo; quiz premiar-me a perseverança; trouxe-o para perto de mim. — E Ladice ajoelhou-se- lhe ao lado, como o fazia em solteira. — Oh, e dominação immensa da pessoa d´elle sobre a minha, oh, o esforço torturante de fingir, de me refrear, de lhe não dizer que o amava, de lhe não agarrar a cabeça e beijal-a perdidamente... Ah, João, amo-o com o amôr forte de todos os seres vivos e mortos... O meu ser, o meu espirito eivados d´elle, são d´elle: sou-lhe a vontade concreta, a dôr, o limite radioso de seus desejos...

Os seus cabellos se desprenderam, baixaram sobre ella como um olhar amoroso, ciumento, cioso...

João em mente a comparava aos perfis brilhantes, magnificos de acção e de vitalidade impetuosa, da antiga eschola veneziana...

O seu resentimento diminuira, a sua colera affrouxára ante a terneza d´essa mulher maravilhosa.

Suas mãos tremulas e hesitantes acariciavam as mãos de Ladice, frias, nervosas, convulsas... Assim permaneceram por minutos, silenciosos, entregues a emoções estranhas.