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minantes, imperiosas, absolutas, ora repetindo-lhe de continuo: “-não és mais a mulher honesta; a christā que soffre, que é martyr, que é pura, que tem aureola; ora impellindo-a a gritar a sua culpa, a proclamar-se peccaminosa, a prófuga ardente que abandonára o seu Deus pelo seu amante... Era uma luta ingente, titanica, extenuante, que ella travava, com um inimigo feroz, duro, sanguinario, deshumano, peior que a morte a loucura... Mas a certeza de rever Theophilo, a mudança de scenario, o ar oxygenado, o verdor, a diaphaneidade d´essa cidade langorosa, que encima a Serra dos Orgãos como se fôra uma corôa de flamma, e de lyrismo, começavam a revigorar-lhe os nervos abatidos, a dissipar-lhe as trevas inquietantes, a tornal-a a Ladice que exulta, a amorosa triumphante, que ousa tudo por amôr de seu amor...

Esses dias, ella passára-os extendida em um preguiceiro: divinamente branca, de uma immobilidade gracil, Ladice deixava cair sobre si, á guisa de um grande beijo, a fragrancia, o azul, a luminosidade d´este céo eternamente curvado, em adoração mystica...

A sua calma, porém, era puramente externa; era a calma vazia de um corpo isento de movimentos. Raivavam-lhe em o intimo, a ebriez, a impertinencia demente de seu eu para um outro eu; o brado, as supplicas, os arrancos de seu ser por esse poeta maravilhoso, por este analysta suprêmo de suas sensações, de sua morbidez. Em esses instantes, ella sentia a vehemencia de planetas que se libertam, de granitos que caem... Em imaginação ella se lhe entregava com a decisão, o impeto, a resolução, a totali-