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do cotovello — Deixa-me sorver, consumir todo o deleite de teu ser; deixa-me beber a exaltação que guardas em as sensações para a divina Aphrodite. — E Theophilo dava-lhe em a boca, beijos descompassados, profundos, ligeiros, curtos, longos, silenciosos, parados, lethaes. Eram os beijos da fome, da sêde, da paixão intolerante, do automatismo consciente.

Elles entraram em uma sala toda azul.

Ladice não distinguia as formas, os contornos, os limites dos objectos; ella apenas via azul, azul, visões azues, claros azues, pontos azucs, veias azues. Em o seu desvario as hortensias que se lhe inclinavam afiguravam-se-lhe ser pupillas em pausas, olhos em extase de espectros enamorados, seio de Nereida sob a onda azul, rosaceas crystallizadas do ether, efflorescencias da phantasia... assim enrolados, abafados, suffocados, modelados por essa ebriez azul, elles se amaram como só as imaginações férvidas sabem amar.

Mas apesar de toda essa raiva amorosa havia em o senso de ambos qualquer cousa de não morto, de insatisfeito: era um vacuo que pedia a sua destruição com a obstinação latente de um tumulo que pede um corpo; era o impulso transcendente de um ser por outro ser; era a vontade ruidosa, demente, implacavel, embora fallaz, impotente de uma alma que quer ser na realidade, de facto, amalgamada, perdida, extincta, desfeita, cravada em a outra; era o delirio incomprehensivel, mas atrozmente sentido, do espirito, da imaginação, do pensamento que anceam embrenhar-se, identificar-se, calar-se um em e outro; era a vezania