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Theophilo continuava na mesma posição, preso dos mesmos tumultos que iam e vinham, ora emmaranhados, confusos, encorpados, ora desunidos, desgarrados, a predominar um só, isolado, incommunicavel, mas terrivel como um látego de fogo... Dir-se-ia que um espirito infernal, dammado, os atiçava, os fustigava, os agulava.

— O jantar está servido — annunciou-lhe o creado inglez.

Theophilo, sem mesmo o olhar, disse-lhe:

— Não janto hoje, Parker; não me sinto bem... Traze-ne uma taça de champanha, o meu chapéo e a minha bengala. Tambem, accrescentou elle vivamente, com um raio de alegria ferindo-lhe as pupillas: —”Irei vel-a, far-lhe-ei uma surpresa, balbuciou elle, erguendo-se, sacudindo o casaco, alisando as calças, compondo os cabellos. Quando Parker entrou, Theophilo esvaziou de uma só vez a taça, e saiu apressado, com a determinação fixa de um demente. Era tanto o seu alvorogo, que por vezes parava e levava as mãos ao coração como que tentando retel-o... Vel-a-ei ainda, — repetia elle, baixinho, totalmente indifferente ás caricias nostalgicas das sombras nocturnas. Em atravessando a Praça de D. Affonso um psiu forte saido justamente de um banco que ficava do outro lado, o fez voltar bruscamente. Era o seu amigo Dr. Xavier, o elegante secretario de Legação, que o chamava. Aquelle “psiu” agudo agiu em Theophilo como se fora a ponta de um estylete magico; houve uma detença subita, uma especie de gesto de recuo identico áquelle que separou as aguas