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— Pois, se diariamente a recebo em mim? — retorquiu ella, ferida pela banalidade da comparação.

— Levanta-se cedo assim ? — inquiriu elle, admirado.

— Quasi sempre. E´ a minha hora mais feliz: pela manhã, vivo simplesmente por amor á vida. Sou vacuidade radiosa... Sou passaro, insecto, corolla, fronde, inconsciencia de azul...

— Na sua idade, senhorinha de Santo Hilario, todas as horas são iguaes — respondeu elle vivamente.

— Não lhe dê attenção, doutor, Ladice gosta de fazer poesia, ella ainda desconhece a dôr — atalhou Dinah.

— O meu coração que o diga — suspirou Ladice. Parecia-lhe que uma nuvem se pousava sobre a alacridade do advogado.

— Senhorinha d´Elvas, é verdade? — E na sua voz havia ligeiro embaraço.

— Não creia, é fantasia.

— Já sei que toda a mulher gosta de ter o seu mysteriozinho, sobretudo quando se acha em companhia de nós outros homens—observou elle, lentamente, aliviado. — Ellas pensam que se tornam mais attrahentes. Não precisa dessa astucia, senhorinha Ladice, é por demais interessante...

— Garanto-lhe que é real o que lhe disse. O meu mysteriozinho é um facto, é o não tragico de destino. — E ella ria-se da crueldade que praticava.

— Impossivel, têm vivido sempre isolada...

— Esquece-se da liberdade ampla do sentimento?