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VI CAPITULO

Ha dous annos que Ladice está casada.

A sua juventude desdobrava-se, detinha-se, immobilizava-se para a vida, ávida, soberba, profunda, tensa, impregnada de solidões e vontades superiores, absolutas, classicas, radiosas. Por vezes, cerrando os olhos a meio, premendo as mãos, exclamava: “Meu Deus, é a vida que vem a mim, que depõe em meu senso seus desejos inarticulados... O dia dá-me o som de sou ardor, a força de suas mutações amorosas... O crepusculo mo derrama no coração a nostalgia ardente de instinctos que resistem á morte... A noite me atira as suas trevas sobre o corpo frio, dizendo-me: Ama; ama; mas, porque não amas?... As estrellas em côro me murmuram : Espera, espera. Pan será teu,” Oh! Vida, tu que foste a luxuria artistica de Dionysio, o Pão Lyrico de S. Francisco de Assis, a frivolidade vaidosa de Maria Antonietta, a disciplina aspera e mystica de Sor Felippa do Espirito Santo, a exaltação da perfeição de Nietzsche, afasta-te, desvia-te, esconde de mim o teu encantamento lancinante... Quero a vida da planta, da rocha, do veio d'agua... sem ancia, sem aspirações, sem o tormento incisivo que fura os céos...”