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Ela se inclinava para a vida, para o universo, como a gente se inclina para os espelhos, para os lagos: ella discernia, ella propria, o seu riso, o seu segredo, a sombra de seus cabellos apaixonados, alens côr de oiro, vibrações ignotas, impaciencias, cohortes de volupias insanas, a ebriez do bem e do mal...

Parecia-lhe, ás vezes, que suas mãos brancas misturavam as horas, o espaço, o tempo, a marcha dos dias e das noites, a estabilidade do passado, os movimentos do futuro... E ella então pairava, só, isolada, no vacuo esvaziado, como a violencia que não morre, como a seiva ignea de todas as origens, dos principios, das formações; como a voz ingente, poderosa annunciadora de um determinismo que não se deixa estrangular... Por amôr a Theophilo, agia-lhe na alma, a alma multiforme, incomprehensivel, pagã, inextricavel, desconhecida das cousas informes, brutas, insensiveis; a alma da vallada, do silencio, das alturas... Ella tinha nos nervos todas as dôres soberanas. — Seu desejo, sua ardencia, após estiramentos e alaridos infructiferos, vinham-lhe de retorno para as cellulas, submissos, humilhados... Seu romantismo, seus sabores lividos de estheta encolhiam-se amotinados, guardavam-se-lhe em as paredes do cerebro. Sua hysteria para conseguir do Poeta bem amado, a delicia que mata, recuava até aos limites do ser como para bastides de bronze e aço...

Durante esses dous annos, Ladice vivera a phrase de Schiller: — Ousa enganar-te e sonhar.

Ella se entregara inteira, a esses sonhos que eram os contornos, a massa, a essencia das realidades, que