Página:Flores do Mal (1924).pdf/26

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Embala Satanaz a nossa mente ardida,
Fazendo-nos sonhar com tal suavidade
Que a energia vivaz da nossa mocidade
Em breve se quebranta, a lama reduzida...

O Diabo faz de nós uns títeres de feira!
Chegamos a gostar de cousas repelentes,
E assim vamos descendo, a rir, inconscientes,
A caminho do Inferno, a lôbrega ladeira.

Entregues ao prazer, numa sede constante,
Expremémo-lo bem, como a um limão fanado,
Qual velho D. João beijando, esfomeado,
Os mamilos senis de sórdida bacante.

Num denso formigar, num turbilhão d’helmintos,
Sentimos na cabeça uma turba infernal
Um pestilento ar, deletério e mortal,
Faz uivar, faz gemer nossos pulmões famintos.

Se o veneno, o incêndio, a punhalada fria
E o estupro bestial inda não teem memória
No registo vulgar da nossa vida inglória,
É porque em nosso peito ha muita covardia.

Entre os lobos-cervaes, os tigres e panteras,
Macacos, escorpiões, abutres e condores,
Monstros negros e vis, rasteiros, rugidores,
Que vivem dentro em nós, como em jaula de feras,